quarta-feira, 16 de maio de 2007

Sobre as efemeridades da vida

"É de mágica
Que eu dobro a vida em flor
Assim!
E ao senhor de iludir
Manda avisar, que esse daqui
Tem muito mais amor pra dar."
(LH)


A tempestade vai passando aos poucos. Aquela voz do outro lado do telefone me deu muitas certezas. Tudo é tão efêmero que começo a perceber que dores têm valores relativos. Amor, sentimento... são muitas efemeridades. Fiz a minha parte. Não posso ultrapassar limites e esbarrar em escolhas alheias, mesmo sabendo que nem sempre essas escolhas alheias são as melhores. Não vale a pena se apegar a coisas efêmeras.

sábado, 12 de maio de 2007

Eu te amo

Depois de quase 25 anos ele me disse "eu te amo". Sim, talvez ele já tenha me dito isso antes. Tentei lembrar de todas as maneiras se isso já havia acontecido e quando, mas só consegui lembrar da época que ele, antes de ir para o trabalho, tocava a campainha da minha casa para me levar para comprar mini guarda-chuvas de chocolate na padaria da esquina. Tentei mergulhar no passado para lembrar e só consegui pensar nas vezes que ficava com medo de algum cachorro da rua e ele dizia que se ele me mordesse, o morderia também. De tentar de todas as maneiras me fazer gostar de frutos do mar. Lembrei de como eu ficava feliz quando eu conseguia achá-lo nas festinhas do colégio e de quando ele aparecia no meu aniversário, mesmo depois de eu já ter perdido as esperanças. Dos bilhetinhos que chegavam dentro de envelopes. Da mesma música que ele cantava o tempo todo. De quando a gente dormia na cama de cimento, em cima de toalhas. Das piadas que ele sempre sabia contar. Das adegas que ele sempre me levava. De quando ele vinha chegando para me buscar e eu já ouvia a voz dele de longe, cumprimentando todo mundo na rua... e como eu admirava aquilo! Das histórias que ele contava... Da sinuca e do doce de boteco...
Não consegui lembrar se alguma vez já tinha ouvido aquelas palavras ditas na voz dele, mas cheguei à conclusão de que nunca dissemos isso um para o outro, porque nunca precisou ser dito.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Tarja preta

Como seria saber que nada mais será como antes? E que aquelas manhãs vendo o sol nascer na praia nunca mais serão as mesmas. Que aquela rotina, que tanto incomodava, de levantar às quatro para chegar no trabalho às sete, nunca mais irá acontecer? Que aquela pequena caminhada até a esquina, que nunca se deu valor, que aconteceu há meses atrás, não irá se repetir... não da mesma maneira.

Quando o último fio de esperança se esgota, se joga do abismo mais alto e mergulha numa viagem sem volta, a gente começa a se dar conta das coisas simples que nunca deu valor. O tempo passa e num instante, nos poucos segundos de um piscar de olhos, tudo muda. E a gente percebe que, a partir de agora, teremos que renascer e reaprender a cada dia.

As tarjas pretas têm sido freqüentes. Tarjas pretas para vestir o luto pela vida que vai embora para uma outra, não tão interessante, nascer. Ou não. Tarjas pretas para fechar os olhos e não se deixar perceber que a realidade vem com pressa em sua direção. Tarjas pretas para servir de asfalto por onde, agora, se caminhará sobre rodas. Tarjas pretas para esconder a tristeza e para suportar os desafios que ainda estão por vir. Tarjas pretas receitadas. Tarjas pretas engolidas. Tarjas pretas escolhidas e empurradas. Tarjas pretas. Tarjas.

Como seria saber que agora o máximo que se pode fazer é colocar a fé na mochila e pedir que alguém te leve?

Ele sabe.

...

Se nada mais resta, que sobreviva o amor. Já que no meio de tantas coisas que vão embora, é o que ainda pode resistir. Quando é de verdade...

Amem!

Amém.

E aproveitem cada dia...

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Neuropatia progressiva

"Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum..."

Os músculos atrofiam e a evolução se dá em semanas ou dias. Começa nos membros superiores e inferiores e progressivamente se alastra. Ao chegar no tórax, inicia-se com mudanças sutis na voz até ela se calar e, lentamente, paralisa cada órgão até atingir os pulmões. E então, lhe enfiam tubos aos montes até o último grau de força se esgotar, como quem vira uma ampulheta e espera o último grão de areia cair. Exige internação por tempo indeterminado e acompanhamento permanente de uma equipe médica multidisciplinar.

Progresso, evolução, sutileza, força ... começo a pensar no significado dessas palavras e como eu nunca havia pensado que precisaria utilizá-las dessa maneira. Você senta e se dá conta que o máximo que pode fazer é acompanhar tudo como mero espectador. E vê a escuridão tão perto... e percebe isso que chamam de morte tão próximo. Frio, vazio, escuridão... Os pensamentos se confundem, você se sente fraco e dá início a uma busca profunda pelo último fio de esperança que ainda lhe resta. E começa a juntar todos os restos de fé que lhe sobraram por dentro.

"Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias..."

Um raio de sol entra pela janela. Melhor não temer. Que o destino decida.

"Seja feita a vossa vontade".